The Good Doctor – Inclusão e Espiritualidade
Alerta: o texto contém elementos que podem escandalizar os cristãos que vivem na espiritosfera. Sua leitura pode causar danos à religiosidade.


Conclui minha maratona na terceira temporada da série The Good Doctor ainda ontem, e confesso que me sinto órfã da trajetória tão lindamente narrada, embora tenha chorado litros (duas lágrimas no olho esquerdo e uma no olho direito – chorar é para os fortes!) no modo como a trama se encerra.
Shaun, o médico autista que busca se afirmar no território sagrado da carreira cirúrgica, ecoa muito de minhas próprias expectativas quanto à vida – toda ela, em suas reminiscências e idiossincrasias. Me lembra a busca incansável do ser humano de ser aceito, com suas particularidades e individualidade, diante do sagrado e como este é imposto por seus pares.
A sala de cirurgia se torna o templo em que apenas os achados “dignos” podem adentrar e permanecer, onde dificilmente se aceitaria o indivíduo que não seja neurotípico. Provar seu valor, diuturna e severamente, não é uma necessidade dos que ostentam o mesmo diploma do Dr. Murphy. Sua singularidade é motivo de rejeição.
Numa comparação (rasa, confesso), esse mesmo cenário se descortina no segmento dito cristão. As tradições, em sua maioria, nos impõe estereótipos do que seja a vida ao lado do Cristo, desprezando a diversidade e a caminhada daquele não se comporta conforme a ditatura da religiosidade estabelecida. Contudo, não seria essa a maior contradição da religião – quando o Cristo pregado é o maior precursor da inclusão da história? Se nele não há distinção de raças, tribos, nações, gêneros, “tipos neurologicos”, placas denominacionais; se Ele é a superação de tudo em todos, a união de toda gente, de todos os propósitos, a razão acima de todas as razões: que direito temos nós, meros receptores dos diplomas da graça de excluir da comunhão quaisquer de nossos irmãos motivados pelo enquadramento no que julgamos da experiência (do outro) com Jesus? Não é no território da fé que todos os abraços deveriam ser correspondidos?
A maturidade que Shaun conquista ao longo dos capítulos me lembra da peregrinação espiritual de todos nós. E de que pisar o solo sagrado do templo de Deus nos nivela – a todos, de todos os tipos. Se na sala de cirurgia a missão é salvar a vida do paciente, nas salas de nossa vida, somos convocados a devolver a esperança da eternidade. Todos. Juntos. Autônomos, maduros, contribuindo com nossas capacidades, suportando as dificuldades uns dos outros, sendo responsáveis; mas JUNTOS. Pois não se pode operar sozinho. Nem se conhece Jesus na reclusão. Há um tipo de mística que envolve a coletividade em que a vida é redimida e o Divino se torna um com o humano. E a cura acontece. Pra todo mundo.
É claro que The Good Doctor é só mais uma daquelas histórias de ficção em que o destino das personagens está nas mãos dos produtores. Mas a minha – e a sua – vida, nas mãos de quem está?
Na estrada da vida, apenas caminhante!